Boca do diabo - Uma HQ para pensar história e humanidade
- Jaíne Sangon
- 3 de out. de 2020
- 2 min de leitura

(As partes destacas de azul contêm spoilers)
O título deste post é certeiro, mas também poderia ser outro, pois a HQ Boca do diabo não está focada apenas em dinamizar as possibilidades de conhecimento acerca do período da Guerra Fria. Ele fala sobre submissão, escolhas, espiritualidade, pobreza, preconceito e orfandade.
A HQ é de autoria do talentoso desenhista François Boucq e do premiado roteirista Jerome Charyn. É inspirada no romance Billy Budd, de Herman Melville e conta a história de Yuri, um ingênuo ucraniano órfão que acaba sendo recrutado para a NKVD (Comissão Popular de Assuntos Internos) e depois KGB (Comitê de Segurança do Estado). Ele tem um lábio leporino e, por isso, sofre muitas chacotas. Mas, para entender plenamente o enredo, é necessário ter o mínimo de conhecimento sobre a Guerra Fria e sobre a URSS.
Após o fim da 2ª Guerra Mundial, o mundo se bipolarizou entre Estados Unidos e URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Em outras palavras, capitalismo x socialismo.
Dentro dessa bipolarização, que disputava a hegemonia do mundo, a URSS desenvolveu vários programas de segurança e espionagem, entre eles surgiu, em 1954, a KGB. Esse comitê tinha o objetivo de proteger seus líderes, espionar os países, atuar nas fronteiras e vigiar a população. Foi a polícia secreta mais eficiente e temida do mundo durante o seu auge. Teve milhares de integrantes e milhões de informantes por todo planeta. Ela servia ao Partido Comunista e era controlada por ele.
Yuri, o nosso personagem, se vê submetido ao serviço que faz parte. Ele passas anos estudando as táticas de espionagem e vai para os Estados Unidos atuar como espião.
A grande chave da HQ é a demonstração das atitudes de Yuri (que tem como nome de espião Billy Budd). Ele não é um agente extremamente convicto das ideologias do comitê que serve.
Ao passar da história ele vai se sentindo cada vez mais oprimido e percebe que não quer concordar com as ações da KGB. Afinal, não só os inimigos, mas os próprios aliados sofrem terríveis consequências se pensarem em desertar ou trair. Apesar disso a HQ não tem o objetivo de se opor às espionagens e à URSS. Ela também mostra as dificuldades que é ser morador de um país como os Estados Unidos, que matou, explorou e excluiu os seus nativos.
Yuri passa por processos de amadurecimento, aprendizado, tentativas de se autocontrolar, de não ser controlado por terceiros e até vive uma amizade com um indígena oprimido pela América. Com a leitura da HQ, podemos perceber também a questão da religiosidade, do misticismo, dos sonhos e da paranormalidade.
Do meu ponto de vista, acredito que a questão do preconceito contra o lábio leporino, que toma a capa da história, deveria ser mais desenvolvida. Assim como o final que foi surpreendente, mas me deu a sensação de que algo foi interrompido e que fiquei sem pistas sobre o destino de Yuri, personagem pelo qual me afeiçoei.
Indico a leitura, que é curta, e a apreciação das ilustrações da HQ. Realmente a estética foi muito bem desenvolvida.
Editora: Comix Zone, 2020.
Referências:
*Prestem atenção nos urubus.
Comments