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Nó na garganta nosso de cada dia

  • Foto do escritor: Jaíne Sangon
    Jaíne Sangon
  • 14 de set. de 2020
  • 3 min de leitura

Capa do livro Nó na garganta

Ler este livro quando criança/pré-adolescente foi essencial em minha trajetória, pois tendo sofrido bastante com os racismos, pelo menos eu sabia que outra menina sentia o mesmo que eu, logo, a sensação de que o problema era somente comigo diminuía.

O livro é escrito por Mirna Pinsky, que, apesar de ser uma mulher branca, soube transferir empatia o suficiente em sua narrativa. A história é baseada em uma menina negra que a autora conheceu, mas eu diria que é a história de todas nós, garotas pretas.

A minha edição foi a de 2004, porém o livro é de1979, o que o torna atemporal, sendo que ainda hoje, quando o releio, sinto que, apesar dos avanços que estamos fazendo devido aos movimentos cada vez mais intensos e expressivos de empoderamento negro, muitas garotas sentem esse nó na garganta de serem quem são e terem a cor que têm.

Portanto, considero que a leitura deste livro é fundamental para nossas crianças (E as mães e pais delas também). A obra só deixou a desejar no final, já que apesar de aparentemente feliz, foi muito seco. Poderia ser mais desenvolvido.

A história conta que Tânia, de 10 anos, se muda para uma praia junto com a mãe e o pai que vão trabalhar tomando conta da casa de veraneio de dona Matilde. Além do salário, lá, a família, que é muito pobre, terá direito a uma pequena moradia do lado da casa da patroa. É um bairro beira-mar que possui algumas veranistas e caiçaras. Há escola com turma única, floresta e rios.

Tânia, de início, não consegue nenhuma amizade, mas acaba se enturmando com Juliana, uma criança loira, que às vezes vai à praia com a família. As duas se dão muito bem e brincam bastante. Na casa de veraneio de Juliana, Tânia tem acesso a inúmeros brinquedos, conforto e lanches. Ela fica encantada com este novo mundo e com a nova amiga.

Com o passar do enredo, Pedrinho, cuja história divide os capítulos do livro junto com os de Tânia, discordando das atitudes racistas que os outros colegas têm com a personagem principal, se torna amigo dela e compartilham juntos dias de muita brincadeira e felicidade.

Tânia, por sua vez, guarda um grande bolo de sentimentos que se configura em um verdadeiro nó na garganta, pois todos os racismos que vivencia e a sensação de inferioridade se acumulam em um corpo tão pequeno.

  • Ela vê sua mãe e pai aceitando os racismos de forma natural, por não terem força para combatê-los.

  • Percebe as injustiças das diferenças de classe.

  • Aceita a realidade que negava sobre Juliana que, apesar de ser aparentemente legal, trata Tânia como se fosse sua empregada, já que no meio em que vive é esse o lugar que as pessoas negras ocupam.

  • Sente o distanciamento que as outras meninas e meninos têm dela, enquanto a chamam de negra de uma maneira xingada: "Essa negrinha não acerta nunca", "deve ter cansado de carregar urubu em cima", "uma vez por ano até escravo tem vez".

  • Sente-se suja quando os meninos não querem abraçá-la nas brincadeiras.

  • Tenta responder quando é ofendida, mas, no fundo, acaba concordando com o algoz, pois também queria ser mais clara, ter cabelo liso e olhos azuis como Juliana.


Para finalizar, tem um trecho de um diálogo de Tânia com Pedrinho e que acho muito importante destacar aqui:

"É que eu sou preta e eles não perdoam. É que tem uma raiva dentro deles por gente preta como eu. Não é só eu. É tudo quanto é preto[...]. [...] Como se fosse uma vergonha ser preta. E eles jogam isso na cara da gente: olha, você é preta, você vale menos." (p.71)


O nó na garganta de Tânia representa o de muitas pessoas negras. E isso é cruel demais. A boa notícia é que podemos, através das palavras e atitudes sermos cada vez mais como Pedrinho e menos como Juliana. Assim, todo nó será desfeito. Temos que amar nossas crianças negras e incentivá-las na construção de sua autoestima. Afeto ajuda a curar o nó na garganta.


Editora: Atual



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