top of page

Os Servos da Morte

  • Foto do escritor: Jaíne Sangon
    Jaíne Sangon
  • 15 de ago. de 2020
  • 3 min de leitura

(Os destaques em azul contêm spoilers)

  Em 2016, ao visitar a universidade de Santa Cruz (linda demais), em Ilhéus, assisti uma palestra sobre as obras do baiano Adonias Filho (1915-1990), escritor modernista. A palestrante se chamava Bárbara. E por que lembro do seu nome? Porque ela fez questão de definir alguns livros de Adonias como bárbaros, assim como ela era. Além do mais, do jeito aterrorizante que ela descreveu os livros, não teve como eu não me interessar pela série iniciada por Os Servos da Morte, e foi justamente esse que comprei e li. Sua primeira publicação foi em 1946, mas minha edição é de 1986, pela editora Difel.

  O livro é dividido em três partes e narrado em terceira pessoa, sendo que o passado acaba por se misturar com o presente até certo ponto, depois a história se desenrola linearmente. Acredito que essa tática foi muito importante para prender a leitora e potencializar a imagem da cólera. Pronto, cheguei na palavra que queria: Cólera. Este termo define o livro. Conforme o lemos, sentimos o suor, a febre, o odor, o asco, o cuspe, a baba e a quentura fétida da esteira e da dispensa.

   A história se passa principalmente em uma fazenda, a Baluarte. Lá, moram Paulino Duarte e seus cinco filhos. Quando Quincas, um dos filhos, resolve se casar e levar uma mulher para morar na casa, toda a miséria inicia-se novamente.

  Todo mundo que já ouviu falar em Paulino Duarte sabe da maldição que ronda as pessoas que a ele e a seu sangue entram em contato. As pessoas ficam más, são retratadas com zoomorfização, agridem, rasgam com os dentes, atacam e berram.

  Paulino Duarte é um típico bicho do mato, era casado com Elisa, mas a ela só fazia maldades. Elisa, em seu projeto de vingança, deixa seu filho mais novo, Ângelo (nome que é um paradoxo para as ações dele), este é a própria encarnação da sua jovem mãe que morre. Ângelo cresce e seu sobrenome é sofrimento, mas não se engane, ninguém nessa história é mocinho, todo os personagens fazem suas maldades, e isso porque está no corpo deles a necessidade de fazer.

  A esposa de Quincas, essa sim chamo de coitada, Celita, é que sofre situações absurdas. Eu, sinceramente, parei a leitura em certas cenas e me perguntei se existem seres humanos capazes de fazer o que Quincas faz com a companheira. Quando eu pensava que Elisa já havia sofrido as piores agressões, vem Celita e me mostra que a crueldade a qual as mulheres estão sujeitas, infelizmente, é bem pior.

   Ainda assim, o livro não tem o intuito de conscientizar, de fazer um apelo, de criticar ou de ser maniqueísta. Em nenhum momento os personagens são julgados como errados. O único objetivo é relatar uma visão diferente sobre o ser humano: A da bestialização, um ser humano naturalmente cruel.

  Contudo, várias reflexões podem ser tidas a partir dessa leitura, por exemplo: Paulino Duarte tenta entender o porquê das coisas serem como são, esse ódio, essa falta de empatia, esse desprezo, e até mesmo um tipo de quase amor que ele sentiu por sua esposa. Mas ele não sabe o que é amor.

  Outro exemplo é Ângelo, ele se descobre desejoso por Celita, mas arquiteta para realizarem uma crueldade ABSURDA com ela. Além disso, em vários diálogos, Ângelo e seu irmão Rodrigo se perguntam qual o sentido de serem quem são, eles tentam entender, mas simplesmente são, são intrínsecos à cólera, à maldição e à putrefação. Eles são os servos da morte.

  Por fim, avalio essa história como sendo uma escrita fenomenal e diferente de tudo. A gente se pega até desejando que os personagens façam o mal mesmo, pois o livro nos leva a isso, se eles não fizerem seria uma quebra na história que quer demonstrar justamente a maldade na veia. Por isso, apesar de ser triste, eu fiquei satisfeita com o final do livro, pois o autor completa o projeto que se propôs a contar. E, de certa forma, na minha opinião, há punição para toda aquela maldade, que é a miserabilidade de continuarem sendo maus e sozinhos.

  Há muito mais para se falar sobre esse livro, eu poderia comentar sobre Augusto Padeiro, Juca Pinheiro, Emílio, e, principalmente, aprofundar sobre Eliza, mas deixo para vocês conhecê-los ao lerem o livro e se aterrorizarem com essa leitura deliciosamente colérica.

Comments


Post: Blog2_Post

©2020 por Liberdade pra dentro da cabeça. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page