Na corda bamba - Um romance sobre relações de poder e racismo
- Jaíne Sangon
- 10 de jan. de 2021
- 3 min de leitura

Na corda Bamba (Such a Fun Age) é o primeiro livro publicado por Kiley Reid, romancista afro-americana que com essa obra conquistou o prêmio Goodreads Choice Awards Best Debut Novel de 2020.
Como esse foi o seu primeiro livro, eu não conhecia Kiley Reid, mas, instigada pela vontade de me aventurar em um romance leve, com protagonistas negrxs, escolhi Na corda bamba pois a sinopse atiçou o meu interesse.
Iniciei a leitura convicta de que seria uma experiência marcante, pois ficaria um pouco mais por dentro das relações entre babás e patroas. Embora a ficção se passe nos Estados Unidos, a dinâmica de poder entre patroa e empregada de lá não é tão diferente assim das dos outros cantos do mundo, inclusive do Brasil.
Logo de início começamos a gostar de Emira, a personagem principal. Ela é uma jovem negra que trabalha como babá na casa da Sra. Chamberlain, uma mulher branca, mãe de duas meninas e que trabalha escrevendo cartas para empresas e um livro sobre sua história com o empoderamento feminino.
Após um segurança de supermercado acusar Emira de sequestradora da criança que ela tomava conta, e de um vídeo do momento constrangedor ter sido gravado, a vida da jovem entra numa teia de relações problemáticas e de passados cruzados.
Não darei spoilers, pois seu queixo vai cair e você vai querer saber o desfecho da história quando estiver lendo o livro e descobrir quais são esses passados que se cruzam. Grave bem esta frase: "Caminhos se cruzam".
O livro é surpreendente. Eu pensava que seria uma escrita um pouco óbvia sobre uma patroa mandona e racista "sem querer ser". Mas o livro vai muito além. As atitudes da Sra. Chamberlain chegam a um nível, no mínimo, intrigante, no máximo, retrato de muitas elites, inclusive as brasileiras. Não tem como ler essa obra e não lembrar de Lélia Gonzalez e de Angela Davis criticando o feminismo branco quando ele se considera o único feminismo necessário, deslegitimando e negando, assim, as discrepantes realidades e necessidades que diferem as mulheres negras das brancas.
A escrita é narrada em terceira pessoa e se faz em estilo flashback, o que é bom pois mantém o interesse no livro ao passo que histórias e mistérios vão sendo revelados. A comunicação entre enredo e diálogos é um pouco confusa, pois não há muitas quebras de parágrafo para se iniciar uma fala, no entanto, foi uma técnica escolhida pela autora e o texto continuou compreensível. São 319 páginas e vinte e oito capítulos com escrita leve, mas com conteúdo que, por sua importância social, se torna intenso e extremamente necessário.
É maravilhoso acompanhar a trajetória de Emira, sua divertida relação com as amigas, sua falta de dinheiro e preocupação com o fato de estar com 25 anos e sem emprego com carteira assinada (o que é um ponto importantíssimo de discussão e reflexão que o livro propõe: A Sra. Chamberlain, feminista branca, é tão preocupada com a independência das mulheres que, mesmo tendo condições financeiras, não assina a carteira da funcionária).
O final do livro foi certeiro no que tange mostrar novas, urgentes e necessárias possibilidades para nós, mulheres negras. Não comentei aqui sobre Kelley, o namorado de Emira, pois deixei para você tirar suas próprias conclusões sobre ele. Eu adorei o final. Fiquei feliz por Emira, [leve SPOILER] mas não tão feliz pela outra garota que aparece no fim.
Na corda bamba é perfeito para fazer refletir sobre as relações raciais e econômicas, que são relações de poder, sobre fetiche, sobre antirracismo por parte de brancos equivocados e sobre relações trabalhistas. É também sobre as diversidades de comportamentos que as vítimas de racismo podem ter, afinal, ter um vídeo exposto onde se sofre racismo pode até ser importante na luta dos movimentos negros, mas o quanto será que a exposição dessa gravação afeta a própria vítima? A história de Emira ensina tudo isso para a gente.
(Se o alinhamento ou espaçamento não estiverem justificados, é devido a problemas da própria plataforma WIX).
Comments