Os anjos não protegeram Clara dos Anjos
- Jaíne Sangon
- 3 de mar. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de ago. de 2020
(As partes destacadas de azul contêm spoilers)

Clara dos Anjos é um romance póstumo, escrito em 1922, pelo autor negro e brasileiro Lima Barreto, mas somente publicado em 1948. Faz parte do pré-modernismo.
O romance narra a história de Clara, tida como jovem mulata (como é descrito no livro), que mora no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, com seu pai, o carteiro Joaquim, e sua mãe, a dona de casa Engrácia.
Ela, criada de forma bem recatada pelo que era exigido na época, saía quase nunca e pouco conversava dentro de casa com o pai e a mãe, principalmente sobre a vida.
Certa vez, na festa de seu aniversário, um cantador de modinha foi se apresentar em sua casa. Esse chamava-se Cassi Jones, homem de quase 30 anos, branco e de família com condições financeiras e sociais melhores do que as de Clara.
Cassi não era um homem de boas morais. Sua fama na região era das mais piores. Todos falavam do quão destruída estaria a família daquela que ele se aproximasse. Já faziam quase dez anos desde que Cassi iniciou sua trajetória de "deflorador" das jovens da cidade. Ele procurava as meninas mais pobres, principalmente mulatas e negras, para praticar seus desejos de sexo.
É verdade que já havia sido preso algumas vezes devido a seus atos, mas sempre fora liberto porque sua mãe, com mania de se achar importante, providenciava meios de soltá-lo. E não só a mãe, mas seus amigos de farra também serviam como álibis e base para ele. Já o pai, desgostoso das situações que Cassi o fazia passar, não movia um dedo para tentar libertá-lo das prisões. Inclusive o expulsou de casa.
Mesmo sabendo do que falavam sobre Cassi, e mesmo tendo seu padrinho, Marramaque, como o maior opositor ao homem, Clara se deixou encantar pela modinha do salafrário. Este, por sua vez, já escabreado na cidade, viu em Clara sua última vítima da localidade. E nela investiu. Rondou a casa em que a menina morava, ao passo que o carteiro Joaquim, sabendo da má fama dele, rejeitou sua presença. Mas Cassi, insistente em sua caça, achou um meio de, através do dentista de Clara, Seu Menezes, um velho alcoólatra e já enfraquecido em suas atitudes morais, enviar cartas à moça, que foram correspondidas durante meses.
O namoro através de cartas ficou evidente nos novos comportamentos que Clara passou a apresentar, coisas de quem estava apaixonada. Ela, então, contou para sua vizinha e amiga, uma senhora que era quase da família, e essa resolveu denunciar para o pai e mãe de Clara. Quando eles ficaram sabendo não permitiram o relacionamento, principalmente porque o padrinho de Clara era totalmente contra. Contudo, isso não impediu a jovem de continuar ansiando por seu amado. Ela também acreditava que, independentemente das diferenças de raça e classe entre ela e Jones, o amor, assim como ela ouvia nas cantigas, superaria tudo.
Eis que então, Cassi Jones sabendo das implicações de seu maior opositor, Marramaque, seguiu-o e matou-o a espancamento. Clara, mesmo desconfiada de que poderia ter sido seu namorado que assassinou seu padrinho, aceitou conversar com ele, às escondidas, à noite, pela janela do quarto. Num desses diálogos, Cassi jogou verde e pôde entrar no quarto da jovem, tendo com ela uma noite sexual.
Dias depois, Clara soube que Cassi havia ido embora da cidade, e pior, ela também descobriu que estava grávida. Chorou em demasia. Pensou em abortar e foi até a vizinha pedir dinheiro emprestado, mentindo ser para outro motivo, no entanto, a pobre não mentia bem e foi obrigada a contar a verdade. A vizinha falou para a mãe de Clara e depois foi até a casa dos pais de Cassi com a garota. Lá, Clara e a vizinha foram maltratadas e, até o pai de Cassi, que era um homem bom, nada pôde fazer pela jovem que saiu de lá mais devastada do que já estava.
Chegando em casa, a menina contou para a mãe o que ocorrera na casa dos Jones e depois falou: - Mamãe, nós não somos nada!
Este romance demonstra a crítica do autor à realidade da época: Negros e mulatos tidos e tratados como subalternos na sociedade, a diferença de classes causando vítimas, os problemas sociais do Rio de Janeiro e do Brasil, as construções das favelas no subúrbio, em contraste com as casas do centro da cidade, e a condição da mulher, principalmente pobre, mulata e negra na sociedade, sujeita a estigmas, vulnerabilidade, desamparo e violência.
Este livro, assim como outros de Lima Barreto, deveria ser mais conhecido e estudado, pois revela os traços do Brasil, não só o do século XX, mas do atual também. Sugiro a leitura das biografias deste que, mesmo não tão reconhecido na época, foi um grande autor.
Editora: Ática
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